Corrosão em estruturas de concreto armado (parte 1)

Por Engenheiro Civil George Andrade

O advento da Norma de Desempenho (NBR 15.575:13) trouxe à tona uma preocupação por parte da indústria da construção civil e dos meios acadêmicos com relação à durabilidade das estruturas. Tendo em vista a vida útil de projeto mínima estimada para 50 anos, projetistas, construtores e estudiosos têm estado preocupados com relação a como garantir essa vida útil, e se as técnicas e conhecimentos atuais empregados são suficientes para tal fim.

Nos primórdios dos projetos em estruturas de concreto armado, havia uma grande preocupação em termos de resistência e segurança das estruturas, mas pouco se pensava com relação as patologias e durabilidade das mesmas. Isso porque foi apenas ao longo dos anos, com o avanço dos estudos e conhecimentos na área, e consequente aumento do entendimento, que essas preocupações vieram à tona. Um dos maiores pesquisadores na área de patologias em concreto armado, Paulo Helene, em seu trabalho sobre A NOVA NB 1/2003 (NBR 6118) E A VIDA ÚTIL DAS ESTRUTURAS DE CONCRETO, afirma que

“[…] apesar de não ser muito comum na normalização disponível até poucos anos atrás, hoje em dia é conveniente e indispensável uma separação nítida entre os ambientes preponderantemente agressivos à armadura […]”

O que reflete uma preocupação com relação à durabilidade. Adicionalmente, a NBR 5674/1999 que trata do procedimento de manutenção das edificações, estabelece:

“É inviável sob o ponto de vista econômico e inaceitável sob o ponto de vista ambiental considerar as edificações como produtos descartáveis, passíveis da substituição por novas construções […]”

Mostrando como, mesmo antes da Norma de Desempenho, já havia a crescente conscientização com relação à durabilidade das edificações e de seu status não descartável.

No ramo da Biologia e da Medicina, Patologia é uma ciência dedicada à análise e estudo dos órgãos, tecidos e fluidos corporais com o objetivo de fornecer diagnóstico das doenças. Estendendo, por analogia, esse conceito para a área da Engenharia, “Patologia das Edificações” estuda os sistemas estruturais, quando da ocorrência de manifestações anômalas, com o intuito de diagnosticar suas causas (Dórea et al., 2010). Entretanto, no meio profissional é muito comum haver a mistura e confusão dos termos patologia com doença, sendo então convencional vermos os muitos defeitos encontrados nas estruturas serem denominados de “patologias”. Dentre as “patologias” mais usuais nas estruturas de concreto armado, têm-se a corrosão das armaduras como algo predominante, conforme pode ser observado no gráfico a seguir, elaborado Andrade (1997) em seu estudo sobre corrosão nas estruturas de concreto.
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Ao observarmos o gráfico, podemos concluir que corrosão de armaduras representa a maioria das manifestações patológicas para concreto armado. Embora em outros estudos possa aparecer a fissuração como anomalia mais frequente, as duas não deixam de estar relacionadas, podendo a fissuração ser causada por corrosão das armaduras, ou a corrosão ser facilidade por intermédio da fissuração.

Mas afinal de contas, o que é e quais são os mecanismos que provocam a corrosão do aço no concreto armado?

A corrosão dos metais, bastante conhecida no meio popular como “ferrugem”, tem sido objeto de debate entre os vários pesquisadores ao redor do mundo, dada a sua importância no contexto do mundo moderno. Esses pesquisadores cunharam suas definições, cada um à sua maneira, porém, mesmo que as palavras diferenciem, o processo permanece o mesmo. Nas palavras do já citado Paulo Helene (1986):

“É a interação destrutiva de um material com o ambiente, seja por reação química, ou eletroquímica”.

Essa definição, complementada com a de Bauer (1994):

“É a transformação não intencional de um metal, a partir de suas superfícies expostas, em compostos não aderentes, solúveis ou despersíveis no ambiente em que o metal se encontra”.

Nos dá uma ideia do que seria o processo corrosivo, estando suas causas relacionadas a fatores e reações químicas ou eletroquímicas.

No passado, durante os primórdios da eletricidade, Alessandro Volta criou o dispositivo que conhecemos hoje como bateria elétrica, sendo tal dispositivo uma célula eletroquímica. Esse aparato gera uma força eletromotriz que induz uma corrente mediante reações que liberam e aceitam elétrons. Em outras palavras, a célula eletroquímica transforma energia química em energia elétrica (Principles of Eletrochemistry, Koryta et al., 1987). O corpo que recebe os elétrons é denominado ânodo, devido à migração de ânions para sua superfície. No ânodo ocorre o processo de formação de cátions. Já o corpo que perde elétrons é denominado cátodo, por receber os cátions gerados no ânodo. É também no cátodo onde os ânions são formados. Essas reações ocorrem em ambientes chamados eletrólitos, devido à sua capacidade de dissociar ou formar íons, tornando-se então um condutor de eletricidade. A célula eletroquímica está presente em nosso dia-a-dia, seja nas pilhas, baterias, ou células a combustível.

Conforme visto acima, o ânodo, devido ao fato de perder elétrons, sofre o processo de corrosão, também denominado de oxidação, devido à capacidade que o oxigênio tem de “roubar” elétrons de outros materiais/substâncias. Hoje em dia, o termo oxidação se refere a toda e qualquer reação química na qual há perda de elétrons de uma substância, havendo ou não a presença de oxigênio (Modern Electrochemistry, Bockris e Reddy, 2000). Dadas as circunstâncias, por analogia, o processo de corrosão nas armaduras de concreto armado ocorre da forma descrita acima.

Inicialmente, devido à alta alcalinidade do concreto (pH > 11), o aço das armaduras está protegido pelo que se denomina camada passivadora. A passivação é a formação de películas protetoras sobre a superfície dos metais por imposição de correntes. É um processo natural na qual o potencial de um eletrodo é modificado no sentindo de menor atividade, tornando-se mais catódico, por consequência, imune à corrosão (Frauches-Santos et al., 2014). A figura a seguir ilustra o Diagrama de Pourbaix para o ferro em solução aquosa para temperatura ambiente.

concreto2

Conforme pode ser observado, na faixa de potencial entre -550mV vs. H e -0.600 V vs. H, para um pH igual a 12, ocorre a formação do filme protetor Fe3O4. Esse composto, por ser compacto e aderente, atua como uma barreira entre o meio corrosivo e a superfície do aço, diminuindo drasticamente a taxa de dissolução da armadura e tornando-a protegida contra a corrosão na ausência de íons cloreto (RIBEIRO et al., 2014). Para a região na qual o potencial de eletrodo é menor do que -0.600 V vs. H, tem-se a chamada zona de imunidade, devido ao aço não reagir com o meio, qualquer que seja a natureza desse, ácida, neutra ou alcalina (HELENE, 1993). Isso se deve ao fato da corrosão permanecer tão baixa que o metal conserva sua aparência inalterada.

Entretanto, se quando o aço estiver fora da zona de imunidade, ocorrer a diminuição do pH, o filme passivo de Fe3O4 deixa de ser estável, havendo a formação de Fe2O3.3H2O, um óxido não compacto e de baixa aderência, e que deixa a tão famosa aparência de “ferrugem” no metal. (RIBEIRO et al.,2014).

Para que a corrosão possa se desenvolver é necessário a presença dos seguintes elementos:

  • Ânodo: zona despassivada da armadura;
  • Cátodo: zona da armadura com acesso ao oxigênio;
  • Condutor elétrico: armadura;
  • Eletrólito: concreto.

A figura a seguir ilustra a célula eletroquímica formada no concreto armado e que gera o processo de corrosão.

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A célula de corrosão somente irá ocorrer se todos os mecanismos acima citados estiverem presentes, ou seja:

  • Armadura despassivada devido à redução do pH do concreto (carbonatação e/ou ação de cloretos);
  • Diferença de potencial na superfície das armaduras (gerada pela diferença entre as zonas despassivada, o ânodo, e as que ainda mantém a película passivadora, o cátodo);
  • Disponibilidade de oxigênio na zona catódica;
  • As zonas catódicas devem estar ligadas eletricamente e eletroliticamente.

Assim, observando os dados expostos acima, não ocorrerá corrosão se:

  • A armadura não estiver despassivada (não há ânodo);
  • Indisponibilidade de oxigênio (não há cátodo);
  • Ambientes secos e concreto com baixa condutividade (não há eletrólito).

Dessa forma, mesmo o processo de corrosão sendo uma simples célula eletroquímica, existe a influência e atuação de vários mecanismos, que vão desde o ambiente exposto, projeto, método de fabricação do concreto, dentre outros, que irão determinar se ocorrerá ou não a corrosão. No próximo artigo faremos uma abordagem sistêmica de como os fatores que acarretam a corrosão podem ser reunidos, suas causas e consequências no contexto das estruturas em concreto armado.

REFERÊNCIAS

Frauches-Santos, C.; Albuquerque, M. A.; Oliveira, M. C. C.; Echevarria, A. A Corrosão e os Agentes Anticorrosivos. Revista Virtual de Química, v. 6, n. 2. Disponível em: <http://rvq-sub.sbq.org.br/index.php/rvq/article/view/490>. Acesso em 30/10/2017.

  1. Koryta; J. Dvorán; L. Kava. Principles of Eletrochemistry. New York, 1987.

Jonh O. M. Bockris; Amulya K. N. Reddy. Modern Electrochemistry. Springer US, 2000.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5674: Manutenção de Edificações — Procedimento. Rio de Janeiro, 1999.

Helene, P. A NOVA NB 1/2003 (NBR 6118) E A VIDA ÚTIL DAS ESTRUTURAS DE CONCRETO. PHD Engenharia, São Paulo. Disponível em: <http://www.phd.eng.br/wp-content/uploads/2014/06/185.pdf>. Acesso em 23/10/2017.

DÓREA, S. C. L. et al. Avaliação patológica da estrutura de concreto armado e dos componentes de uma edificação construída em 1914. SCIENTIA PLENA VOL. 6, NUM. 12, 2010.

ANDRADE, J. J. O. Durabilidade das Estruturas de Concreto Armado: Análises das Manifestações Patológicas nas Estruturas no Estado de Pernambuco. Porto Alegre, 1997. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) – Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil, UFRGS.

 HELENE, PAULO R.L. Corrosão em armaduras para concreto armado. São Paulo:
Editora Pini – Instituto de pesquisas Tecnológicas IPT, 1986. 47p.

BAUER L.A.F. Materiais de construção, Rio de Janeiro: Ed. LTC, 1994, 5º edição v.2

PELLIZZER, G. P. Análise mecânica e probabilística da corrosão de armaduras de estruturas de concreto armado submetidas à penetração de cloretos. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Estruturas) – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2015.

RIBEIRO, D. et al. Corrosão em Estruturas de concreto armado: teoria, controle e métodos de análise. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.

HELENE, P. R. L. Contribuição ao estudo da corrosão em armaduras de concreto armado. Tese (Livre Docência) – Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993.